quarta-feira, março 28, 2007

Governo intensifica assentamento de sem-terra em área amazônica

Por Eduardo Nunomura, O Estado de S. Paulo
26/03/2007

Desde o ano passado, governo dobrou a área destinada à reforma agrária no Distrito Florestal da BR-163, no Pará

Oito mil famílias de sem-terra foram presenteadas no ano passado com quase 700 mil hectares em 30 projetos de assentamento dentro do Distrito Florestal da BR-163, no oeste do Pará. Com isso mais que dobrou a quantidade de terra para assentamentos nesta região. Até fevereiro de 2006 haviam sido criados 582,6 mil hectares em 14 projetos, beneficiando 9.354 famílias. A aceleração na criação de projetos para os sem-terra ocorreu depois de 13 de fevereiro de 2006, quando foi implantado o primeiro distrito florestal do País numa resposta ao assassinato, um ano antes, da missionária Dorothy Stang.

A última onda na criação de projetos de desenvolvimento sustentável (PDS), assentamento agroextrativista (PAE) e florestal (PAF) ocorreu nos últimos três meses do ano passado. A Amazônia concentra a maior quantidade de terras públicas no Brasil e sucessivos governos têm usado a região para atingir as metas de assentamento. Um dos problemas da reforma agrária é basear seus resultados no número de assentados e não na qualidade dos assentamentos.

O boom expansionista de assentamentos amazônicos pôs em alerta ambientalistas, entre eles Adalberto Veríssimo, da organização não-governamental Imazon. “O histórico dos projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia são desastrosos e se conta nos dedos os casos que deram certo”, afirma. “A maioria só levou gente para lá.” O presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, reconhece essa lógica. “Ainda tem muita gente chegando. Achava que era coisa do passado, mas é todo dia”, diz.

Portarias

Se o Ibama ou a Funai quiserem ocupar a floresta amazônica, eles precisam provar com estudos rigorosos a viabilidade de uma unidade de conservação ou um território indígena. Já o Incra só precisa ir a campo, mapear os locais com comunidades instaladas e publicar uma portaria destinando uma gleba pública para um assentamento de reforma agrária. Apenas no Pará 9 milhões de hectares foram destinados para projetos desse tipo no primeiro mandato do governo Lula. Foram mais de 50 portarias só na superintendência de Santarém.

Tal facilidade criou dificuldades em outros organismos do governo. O Serviço Florestal Brasileiro, órgão autônomo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), depende dos dados georreferenciados do Incra para iniciar a concessão de florestas públicas e ajudar no próprio manejo sustentável dos assentamentos de sem-terra. Já tem os dados de outros órgãos federais, como o Ibama e a Funai.

A movimentação silenciosa do Incra preocupou órgãos do MMA em duas ocasiões. A primeira, no meio do ano passado, quando o instituto da reforma agrária passou a ser cobrado para dizer onde estavam os novos assentamentos. Não havia transparência no processo. A segunda ocorreu quando se soube que haviam sido criados projetos para sem-terra dentro de duas florestas nacionais e um parque nacional. A sobreposição ocorre em menos de 300 mil hectares em todo o Pará, segundo o Incra. Internamente, os representantes do governo prometem se acertar.

Ordenamento

O Incra indicou que em 30 dias o mapa estará completo e atualizado com os novos assentamentos. Mas já se sabe que será um mapeamento em construção. Segundo o órgão, ainda serão concedidos mais hectares para os sem-terra na região, embora a maior parte dos projetos já tenha sido criada. “Realmente aumentou muito e deliberadamente. Essa política (de criação de assentamentos) se insere no ordenamento territorial. Se o Estado não destinar essas terras, o risco de desordenamento é enorme”, diz Hackbart.

“Os projetos de desenvolvimento sustentável em si não são um problema, só se forem implementados de forma inadequada”, diz o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Resende. Segundo ele, não adianta criar assentamentos no papel, uma vez que esse modelo já foi tentado no passado e se mostrou desastroso.

Sem recursos para explorar sustentavelmente a floresta, isto é, obter renda mantendo-a em pé, o sem-terra fica vulnerável às tentações de madeireiros e grileiros. Chega a vender seu terreno a preços irrisórios, tornando-se novamente um sem-terra. E o resultado é que a reforma agrária, ou a política de distribuição de terras, colaborou substancialmente com o desmatamento no passado.

O insucesso de assentamentos na Amazônia ocorre porque até hoje não se descobriu como ganhar dinheiro sem derrubar árvores. O manejo sustentável, cortar árvores e esperar que outras nasçam para fazer novo corte, é ainda uma aposta. Projetos de extrativismo vegetal são pouco rentáveis, porque o produtor rural não domina todas as etapas da produção. A péssima infra-estrutura, basicamente estradas precárias, torna um inferno a vida de um assentado.

Foi Fernando Henrique Cardoso, pressionado pelos movimentos sociais, que criou os PAE, PDS e PAF. Luiz Inácio Lula da Silva herdou o formato. Como ficou claro que não basta assentar em locais sem infra-estrutura, Lula aumentou a quantidade de convênios com prefeituras. Nos dois mandatos de FHC, foram destinados R$ 9,5 milhões para a construção de estradas vicinais aos assentamentos só na região do hoje Distrito Florestal Sustentável da BR-163, uma área de 19 milhões de hectares. Nos primeiros quatro anos do petista, foram R$ 10,9 milhões.

Projetos têm pouca área para planos de manejo

A julgar pelos números dos últimos assentamentos criados pelo governo Lula, os sem-terra vão ter de suar para provar que os projetos de desenvolvimento serão, de fato, sustentáveis. A quantidade de terra para cada família é, em alguns casos, inferior ao mínimo que pesquisadores avaliam como necessário. No PDS São João Batista, no entorno do município de Itaituba, chega-se à fração de 5,17 hectares para cada família. Estudos estimam que o manejo florestal só é possível numa área mínima de 100 a 300 hectares.

Nos 30 projetos criados no ano passado, a média é de 86,85 hectares por família assentada. Só em 9 deles a porção de terra é superior a 100 hectares, sendo que o maior será no PDS Boa Vista do Caracol, em Trairão. Lá são 22.743 hectares para 90 famílias. Até hoje não havia um limite mínimo para o tamanho dos projetos de assentamento. Na semana passada, o presidente Lula assinou o Decreto 6.063 que prevê, entre outras coisas, que o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) deverá definir as dimensões de terras que permitam a sua exploração sustentável em projetos de manejo.

O engenheiro agrônomo Adalberto Veríssimo, do Imazon, explica por meio de contas as dificuldades que terão os assentamentos do Incra. Se uma família tiver à sua disposição uma unidade agrícola de 100 hectares, ele poderá explorar no máximo 4 hectares por ano - estima-se que só depois de 25 anos uma área de floresta se regenere. Como a renda anual por hectare explorado chega a no máximo US$ 100, o sem-terra vai ganhar US$ 400 num ano.

“Ele não vive com R$ 800 por ano. O que ele vai fazer? Segura a mata por um período curto, depois pega seus hectares, desmata e vende a madeira. Em seguida, vem a pecuária, a agricultura”, raciocina Veríssimo. “Eu, você, se fôssemos um assentado, faríamos isso.” Para o ambientalista, há risco real de os novos projetos de assentamentos se transformarem num grande fornecedor de madeira para a atividade predatória.

O SFB já estima que as áreas de uso comunitário, sobretudo os assentamentos, vão ser bem maiores que as de concessão de florestas públicas. Previstas em lei, as concessões liberarão terras para empresas ou pessoas interessadas em explorá-las mediante o pagamento de uma taxa. Segundo Tasso Resende, do SFB, o limite é de até 750 mil hectares leiloados no primeiro ano.

O presidente do Incra, Rolf Hackbart, acredita que universidades, centros de pesquisa e até vencedores de concessões de florestas públicas vizinhas aos assentamentos ajudarão os sem-terra a produzirem seus planos de manejo. “Projeto de assentamento não é apertar um botão de computador. Nesses locais, tem gente sem documento, falta alfabetização, organização, infra-estrutura. Iniciamos um processo.”

Link: www.amazonia.org.br

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