Carlos Durigan
FVA - Manaus
No último dia 14 de maio, fez um ano que foi aprovada por unanimidade
(em consulta pública realizada na comunidade de Floresta) a proposta de
criação da Reserva Extrativista do Rio Unini, no município de Barcelos,
estado do Amazonas.
Durante este tempo, a criação desta importante Unidade de Conservação
tem recebido diversas manifestações de apoio de diversos segmentos da
sociedade, incluindo o Ministério do Meio Ambiente e CNPT/IBAMA que
propuseram entre as várias ações, uma Moção de Apoio do CONAMA, aprovada
em março de 2005.
Atualmente, este processo encontra-se na Casa Civil da Presidência da
República, de onde deve sair o ato de criação, através da assinatura do
decreto pelo Presidente da República.
A demora na criação tem preocupado todos os grupos sociais e entidades
envolvidas neste processo, ainda mais que estamos num ano eleitoral e
ainda temos visto uma mobilização crescente de setores retrógrados
contra o estabelecimento de áreas protegidas na Amazônia.
Face a isto, gostaríamos de solicitar a todos e todas que enviem
mensagens de apoio às criações das RESEXs Unini e Arapixi, no estado do
Amazonas à Casa Civil e à Presidência da República (emails:
pr@planalto.gov.br, mgarcia@planalto.gov.br, casacivil@planalto.gov.br )
Sugerimos o seguinte texto:
Exmo. Sr. Luis Inácio Lula da Silva - Presidente da República
Exma. Sra. Dilma Roussef ? Ministra Chefe da Casa Civil
No ano de 2002 iniciaram-se processos para criação de duas Reservas
Extrativistas (RESEX) federais no estado do Amazonas: a RESEX do Rio
Unini, afluente da margem direita do rio Negro e a RESEX do Arapixi, no
município de Boca do Acre. Nestas duas áreas vivem mais de 500 famílias
que têm como principal fonte de subsistência a agricultura tradicional e
o extrativismo de produtos florestais não-madeireiros. A criação dessas
duas reservas garantem o direito dessas comunidades a continuar vivendo
em suas terras onde ajudam a conservar a biodiversidade da região por
gerações.
As etapas do processo de criação destas Reservas seguiram todos os
procedimentos formais e legais estabelecidos pelo Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC). Na finalização deste processo foram
realizadas consultas públicas que contaram com a participação das
comunidades e representantes de diversas instituições governamentais e
não-governamentais, das quais destacamos o Governo do Estado do
Amazonas, através da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS) e
do Instituto de Terras do Amazonas (ITEAM). Durante as consultas,
decidiu-se pela criação das RESEXs na esfera federal não havendo nenhuma
manifestação contrária por parte dos representantes estaduais. Após as
consultas, mais uma vez o Governo do Estado do Amazonas reiterou seu
apoio emitindo pareceres favoráveis às criações das reservas através do
Instituto de Terras do Amazonas (ITEAM).
A criação destas reservas atende, de forma soberana, os anseios das
famílias residentes do rio Unini e nos seringais da região de Arapixi e
de toda a sociedade civil que luta pela construção de um modelo de
desenvolvimento sustentável para a região.
Passado mais de um ano das consultas públicas, há uma demora inaceitável
na conclusão destas criações e isto gera um clima de decepção e
descrédito frente aos Órgãos Públicos que referendaram e apoiaram até
agora todo este processo.
Face a isto vimos, através deste manifesto, reivindicar a criação
imediata das Reservas Extrativistas Federais do Rio Unini e Arapixi e
rogar para que Vs. Excias. dignem-se a fazer valer a decisão tomada,
extremamente positiva para a conservação da biodiversidade amazônica e
para as comunidades locais.
Este é o primeiro espaço para divulgação de informações da "Rede de Pesquisadores em Reservas Extrativistas". Esta é uma iniciativa de pesquisadores, porém aberta a outros profissionais. Temos como objetivos (i) criar um espaço para divulgação e troca de informações sobre Reservas Extrativistas, (ii) desenvolver pesquisas colaborativas para subsidiar políticas públicas para Reservas Extrativistas e o diálogo com o movimento social. Envie-nos um e-mail para seu registro na rede.
sexta-feira, maio 19, 2006
terça-feira, maio 16, 2006
O Desafio das RESEXs da Amazônia
Ecio Rodrigues(*)
Tudo começou em Xapuri, uma cidade em que a história política e a econômica se confundem com a dos ciclos dos produtos florestais. Tendo sua conquista e ocupação ancorada na produção de borracha, o município passou por um variado processo de transformação no decorrer do século passado. Depois de pertencer aos bolivianos e promover uma revolução armada para serem considerados brasileiros, os xapurienses orgulham-se de sua história e de sua mais importante conquista contemporânea: a manutenção da floresta. Após a resistência aos desmatamentos, que tiveram seu apogeu no final da década de 1980, ocorreu uma intensa discussão acerca da criação e regulamentação de espaços territoriais destinados à atividade do extrativismo.
Foi nessa ocasião, sob a liderança expressiva do saudoso Chico Mendes, que surgiram instituições fundamentais para a conservação da Amazônia, tais como o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (Caex). Também foi nessa época que se conseguiu formular um conceito de Unidade de Conservação, cuja categoria de manejo viria a ser consagrada na lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), como de uso sustentável, isto é: destinada a compatibilizar a atividade produtiva, baseada no modo extrativista de produção, com a manutenção da cobertura florestal, numa descrição prática e atual, de mais relevante grau e significado, do denominado conservacionismo originado em meados do século dezenove.
As Reservas Extrativistas passaram, rapidamente, à condição de ícone de um movimento ambiental rejuvenescido pelos ideais do recente conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em gestação no período preparatório para a Rio-92. Durante a década de 1990, intensificaram-se os esforços da sociedade civil e de instituições públicas no sentido de garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas, o que foi conseguido de forma exemplar. Mas, o desafio da sustentabilidade, que conciliaria o extrativismo com a manutenção da floresta, foi colocado em risco com a decadência completa do mercado gomífero.
Apesar dos subsídios federais e estaduais, a produção nativa de borracha não encontra uma saída, em curto prazo, que englobe todas as unidades de produção envolvidas no extrativismo. A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, cuja concepção e desenvolvimento datam desse período (década de 1990), destinava-se a solucionar esse entrave que levaria os seringueiros, inexoravelmente, à ampliação das áreas destinadas à agropecuária, estando eles vivendo ou não em Reservas Extrativistas. Mas o uso múltiplo da floresta, contemplando um leque variado de produtos e serviços que o ecossistema florestal pode oferecer, explorados segundo as técnicas de manejo florestal, não poderia abrir mão de seu produto de maior liquidez na atualidade: a madeira.
Vencer os preconceitos e desinformação acerca da exploração comunitária e sustentável da madeira foi uma batalha que demorou mais de dez anos. No início de 2000, os produtores extrativistas estavam prontos para se tornarem manejadores florestais. Prepararam, com apoio técnico do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) uma área do Projeto de Assentamento Agroextrativista do Cachoeira (PAE gerido pelo Incra) para manejo comunitário da madeira. Em 2002, essa área foi a primeira de manejo comunitário na Amazônia a ser certificada com o selo verde pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (FSC), demonstrando e comprovando a sustentabilidade do manejo comunitário da madeira.
Paradoxalmente, enquanto os três primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas criados no Acre e na Amazônia (Cachoeira, Porto Dias e o São Luis do Remanso) conseguiam se estruturar e avançar no estabelecimento de unidades de manejo comunitário de madeira, as Reservas Extrativistas, por sua vez, patinavam nas indefinições acerca do amparo legal para a produção de madeira em unidades de conservação.
Durante um bom tempo, e até hoje em dia, o tabu da impossibilidade legal do manejo nas Reservas Extrativistas é um enorme entrave. Se antes era somente a madeira atualmente adiciona-se aí a fauna. Como é difícil levar adiante experiências importantes de manejo de fauna, como a realizada na Reserva Extrativista do Cazumbá em Sena Madureira, devido a entraves criados na própria esfera ambiental!
Seria bom que as experiências desenvolvidas nos Projetos de Assentamento, com a participação ou à revelia do Incra, servissem de inspiração para os envolvidos com as Reservas Extrativistas. Afinal, a opção pela inserção dessas unidades de produção extrativista no sistema de unidades de conservação foi realizada na condição de obterem melhor guarida institucional que no âmbito da reforma agrária, o que, efetivamente, parece que não aconteceu.
Geralmente, os gestores da esfera ambiental pública, costumam afirmar que tudo é possível nos Projetos de Assentamentos Extrativistas porque ali não existe a preocupação com a manutenção da floresta. Triste é a constatação de um duplo equívoco. Essas experiências são o melhor exemplo de uma enorme preocupação com a manutenção da floresta, uma vez que possuem grau superior de sustentabilidade ambiental. De outra banda, a não implantação dessas experiências nas Reservas Extrativistas, em hipótese alguma tem garantido a não ampliação ou minimizado os efeitos da agropecuária.
Poder levar a experiência inovadora e de sucesso do manejo florestal de uso múltiplo para o interior da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação da Amazônia, com 970 mil hectares, inauguraria um novo patamar produtivo comunitário, de maneira sustentável e, talvez o mais importante, de maneira exemplar para a Amazônia.
(*) Engenheiro Florestal, Mestre em Economia e Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.
Fonte: http://www.kaxi.com.br/materia.php?id=37, 11/05/06
Tudo começou em Xapuri, uma cidade em que a história política e a econômica se confundem com a dos ciclos dos produtos florestais. Tendo sua conquista e ocupação ancorada na produção de borracha, o município passou por um variado processo de transformação no decorrer do século passado. Depois de pertencer aos bolivianos e promover uma revolução armada para serem considerados brasileiros, os xapurienses orgulham-se de sua história e de sua mais importante conquista contemporânea: a manutenção da floresta. Após a resistência aos desmatamentos, que tiveram seu apogeu no final da década de 1980, ocorreu uma intensa discussão acerca da criação e regulamentação de espaços territoriais destinados à atividade do extrativismo.
Foi nessa ocasião, sob a liderança expressiva do saudoso Chico Mendes, que surgiram instituições fundamentais para a conservação da Amazônia, tais como o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (Caex). Também foi nessa época que se conseguiu formular um conceito de Unidade de Conservação, cuja categoria de manejo viria a ser consagrada na lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), como de uso sustentável, isto é: destinada a compatibilizar a atividade produtiva, baseada no modo extrativista de produção, com a manutenção da cobertura florestal, numa descrição prática e atual, de mais relevante grau e significado, do denominado conservacionismo originado em meados do século dezenove.
As Reservas Extrativistas passaram, rapidamente, à condição de ícone de um movimento ambiental rejuvenescido pelos ideais do recente conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em gestação no período preparatório para a Rio-92. Durante a década de 1990, intensificaram-se os esforços da sociedade civil e de instituições públicas no sentido de garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas, o que foi conseguido de forma exemplar. Mas, o desafio da sustentabilidade, que conciliaria o extrativismo com a manutenção da floresta, foi colocado em risco com a decadência completa do mercado gomífero.
Apesar dos subsídios federais e estaduais, a produção nativa de borracha não encontra uma saída, em curto prazo, que englobe todas as unidades de produção envolvidas no extrativismo. A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, cuja concepção e desenvolvimento datam desse período (década de 1990), destinava-se a solucionar esse entrave que levaria os seringueiros, inexoravelmente, à ampliação das áreas destinadas à agropecuária, estando eles vivendo ou não em Reservas Extrativistas. Mas o uso múltiplo da floresta, contemplando um leque variado de produtos e serviços que o ecossistema florestal pode oferecer, explorados segundo as técnicas de manejo florestal, não poderia abrir mão de seu produto de maior liquidez na atualidade: a madeira.
Vencer os preconceitos e desinformação acerca da exploração comunitária e sustentável da madeira foi uma batalha que demorou mais de dez anos. No início de 2000, os produtores extrativistas estavam prontos para se tornarem manejadores florestais. Prepararam, com apoio técnico do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) uma área do Projeto de Assentamento Agroextrativista do Cachoeira (PAE gerido pelo Incra) para manejo comunitário da madeira. Em 2002, essa área foi a primeira de manejo comunitário na Amazônia a ser certificada com o selo verde pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (FSC), demonstrando e comprovando a sustentabilidade do manejo comunitário da madeira.
Paradoxalmente, enquanto os três primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas criados no Acre e na Amazônia (Cachoeira, Porto Dias e o São Luis do Remanso) conseguiam se estruturar e avançar no estabelecimento de unidades de manejo comunitário de madeira, as Reservas Extrativistas, por sua vez, patinavam nas indefinições acerca do amparo legal para a produção de madeira em unidades de conservação.
Durante um bom tempo, e até hoje em dia, o tabu da impossibilidade legal do manejo nas Reservas Extrativistas é um enorme entrave. Se antes era somente a madeira atualmente adiciona-se aí a fauna. Como é difícil levar adiante experiências importantes de manejo de fauna, como a realizada na Reserva Extrativista do Cazumbá em Sena Madureira, devido a entraves criados na própria esfera ambiental!
Seria bom que as experiências desenvolvidas nos Projetos de Assentamento, com a participação ou à revelia do Incra, servissem de inspiração para os envolvidos com as Reservas Extrativistas. Afinal, a opção pela inserção dessas unidades de produção extrativista no sistema de unidades de conservação foi realizada na condição de obterem melhor guarida institucional que no âmbito da reforma agrária, o que, efetivamente, parece que não aconteceu.
Geralmente, os gestores da esfera ambiental pública, costumam afirmar que tudo é possível nos Projetos de Assentamentos Extrativistas porque ali não existe a preocupação com a manutenção da floresta. Triste é a constatação de um duplo equívoco. Essas experiências são o melhor exemplo de uma enorme preocupação com a manutenção da floresta, uma vez que possuem grau superior de sustentabilidade ambiental. De outra banda, a não implantação dessas experiências nas Reservas Extrativistas, em hipótese alguma tem garantido a não ampliação ou minimizado os efeitos da agropecuária.
Poder levar a experiência inovadora e de sucesso do manejo florestal de uso múltiplo para o interior da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação da Amazônia, com 970 mil hectares, inauguraria um novo patamar produtivo comunitário, de maneira sustentável e, talvez o mais importante, de maneira exemplar para a Amazônia.
(*) Engenheiro Florestal, Mestre em Economia e Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.
Fonte: http://www.kaxi.com.br/materia.php?id=37, 11/05/06
quarta-feira, maio 10, 2006
Nota do Governo do Amazonas:
UNINI e ARAPIXI - Governo do Amazonas apóia a criação das Reservas Extrativistas do Unini e Arapixi
O Governo do Estado do Amazonas não é contra a criação das Reservas Extrativistas do Unini e Arapixi. Pelo contrário. O Governo do Amazonas criou, na atual gestão, as duas primeiras Reservas Extrativistas Estaduais da história do estado: Catuá-Ipixuna e Guariba. A RESEX Catuá-Ipixuna era uma antiga reivindicação das populações tradicionais daquela área. Além disso, acaba de ser concluída – e bem sucedida - a consulta pública para a criação da RESEX do Rio Gregório, com 462 mil hectares.
No ano de 2002 existiam 7,4 milhões de hectares de unidades de conservação estaduais. Ao final de 2005 o total já havia alcançado 15,6 milhões. Um aumento de mais de 100% . Além disso, estamos concluindo um processo de consultas para a criação de um novo mosaico de UCs com cerca de 2 milhões de hectares em terras estaduais sob ameaça de grilagem e desmatamento.
Infelizmente, algumas notícias distorcem os fatos e isso requer esclarecimentos. O parecer da PGE vincula a administração pública estadual como um todo, sendo proibido qualquer ato administrativo que venha a contrariar seus termos. Diante do exposto, resta claro que não é dado a esta Secretaria de Estado a faculdade ou mesmo a possibilidade de vir a contrariar a situação posta, qualquer ato nesse sentido restaria nulo, uma vez que estaria eivado de vício insanável. O administrador público, por sua vez, ao praticar ato contrário à lei e a Carta Política, responderia pela improbidade administrativa.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável apóia as demandas e reivindicações das comunidades do Unini e Arapixi para a criação de RESEX nestas áreas. Entretanto, diante do entendimento jurídico da PGE - do qual não podemos administrativamente contrariar – propusemos aos movimentos sociais representados pelo GTA e CNS e ao Governo Federal representado pelo MMA e IBAMA/CNPT, uma nova discussão com a comunidade quanto à criação de uma RESEX Estadual.
Temos um impasse administrativo-jurídico existente: qual esfera de Governo deve criar as Resex ? Os maiores prejudicados com isto são as comunidades extrativistas. Sabedora disso e ciente dos seus limites administrativos, a SDS está disposta a arcar com os custos de uma nova consulta pública para a criação de RESEX estaduais. O Governador Eduardo Braga reiterou seu interesse em apoiar este processo naquilo que estiver dentro do marco legal vigente. O Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Virgílio Viana, manifestou sua disposição de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para resolver este assunto com a maior eficiência e rapidez possível.
Fonte: http://ambienteacreano.blogspot.com, 10/05/06
O Governo do Estado do Amazonas não é contra a criação das Reservas Extrativistas do Unini e Arapixi. Pelo contrário. O Governo do Amazonas criou, na atual gestão, as duas primeiras Reservas Extrativistas Estaduais da história do estado: Catuá-Ipixuna e Guariba. A RESEX Catuá-Ipixuna era uma antiga reivindicação das populações tradicionais daquela área. Além disso, acaba de ser concluída – e bem sucedida - a consulta pública para a criação da RESEX do Rio Gregório, com 462 mil hectares.
No ano de 2002 existiam 7,4 milhões de hectares de unidades de conservação estaduais. Ao final de 2005 o total já havia alcançado 15,6 milhões. Um aumento de mais de 100% . Além disso, estamos concluindo um processo de consultas para a criação de um novo mosaico de UCs com cerca de 2 milhões de hectares em terras estaduais sob ameaça de grilagem e desmatamento.
Infelizmente, algumas notícias distorcem os fatos e isso requer esclarecimentos. O parecer da PGE vincula a administração pública estadual como um todo, sendo proibido qualquer ato administrativo que venha a contrariar seus termos. Diante do exposto, resta claro que não é dado a esta Secretaria de Estado a faculdade ou mesmo a possibilidade de vir a contrariar a situação posta, qualquer ato nesse sentido restaria nulo, uma vez que estaria eivado de vício insanável. O administrador público, por sua vez, ao praticar ato contrário à lei e a Carta Política, responderia pela improbidade administrativa.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável apóia as demandas e reivindicações das comunidades do Unini e Arapixi para a criação de RESEX nestas áreas. Entretanto, diante do entendimento jurídico da PGE - do qual não podemos administrativamente contrariar – propusemos aos movimentos sociais representados pelo GTA e CNS e ao Governo Federal representado pelo MMA e IBAMA/CNPT, uma nova discussão com a comunidade quanto à criação de uma RESEX Estadual.
Temos um impasse administrativo-jurídico existente: qual esfera de Governo deve criar as Resex ? Os maiores prejudicados com isto são as comunidades extrativistas. Sabedora disso e ciente dos seus limites administrativos, a SDS está disposta a arcar com os custos de uma nova consulta pública para a criação de RESEX estaduais. O Governador Eduardo Braga reiterou seu interesse em apoiar este processo naquilo que estiver dentro do marco legal vigente. O Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Virgílio Viana, manifestou sua disposição de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para resolver este assunto com a maior eficiência e rapidez possível.
Fonte: http://ambienteacreano.blogspot.com, 10/05/06
terça-feira, maio 09, 2006
Gov. do Amazonas e Resex Federal
Governo do Amazonas barra criação de reservas extrativistas federais, acusa rede de ONGs
Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus – O secretário executivo do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Adilson Vieira, acusou hoje (16) o governo do Amazonas de impedir a criação das reservas extrativistas do Arapixi e do Rio Unini, que devem beneficiar 460 famílias. "São duas demandas comunitárias, uma luta que já dura seis anos", contou. "Enquanto o Estado cria outras unidades de conservação a toque de caixa, ele impede que essa reivindicação legítima seja atendida. Há dois pesos e duas medidas".
A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável respondeu, por meio da assessoria de comunicação, que o governo estadual tem como objetivo a expansão do número de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável no Amazonas. A mudança de posição em relação à criação das duas unidades foi orientação da Procuradoria Geral do Estado, segundo a secretaria. A assessoria informou que uma nova consulta pública está sendo agendada para a região do Unini, em abril.
O processo de criação dessas duas reservas foi formalmente iniciado em 2002. As consultas públicas para sua criação aconteceram em novembro de 2004 (no rio Arapixi, no município de Boca do Acre) e em maio do ano passado (no rio Unini, em Barcelos). Nelas, os participantes decidiram pela criação de unidades de conservação federais, embora o território ocupado por eles estivesse matriculado em nome do governo estadual.
No último dia 23 de novembro, a Agência Brasil publicou uma matéria relatando que no dia anterior o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) havia fornecido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) uma carta de anuência para a criação das duas reservas federais. O documento seria encaminhado à Procuradoria Geral do Ibama, para que os decretos de criação das unidades fossem enviados à Casa Civil e assinados pelo presidente Lula. A expectativa do coordenador estadual do Conselho Nacional de Populações Tradicionais (CNPT), vinculado ao Ibama, Leonardo Pacheco, é que eles fossem publicados até janeiro deste ano.
"Mas por um precedimento do governo federal, que não está na lei do Snuc [ Sistema Nacional de Unidades de Conservação ], o processo foi enviado ao Ministério Público Federal, que decidiu consultar novamente o governo estadual", revelou Pacheco. "A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável então se opôs à criação das unidades, tentando transformar um fato político em jurídico".
"Eles alegam que em terras estaduais não se pode criar unidades de conservação federal. Mas isso já aconteceu no Pará e no Mato Grosso, por exemplo", justificou Pacheco. " A comunidade escolheu com qual interlocutor quer dialogar, sua vontade precisa ser respeitada". "Existe uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável estadual, chamada Cojubim, com cerca de um milhão de hectares, onde 80% da área é terra da União", argumentou Vieira.
Pacheco alertou que as 300 famílias que moram na região do Arapixi estão sofrendo com a grilagem de terras. "Elas estão proibidas de coletar castanha e seringa, estão vivendo só da agricultura", contou. "Há nove meses, quando ocuparam o escritório local do Ibama, a criação da reserva era a principal reivindicação".
No Unini, os representantes da comunidade se preparam para vir a Manaus conversar com o governador, segundo o secretário executivo da Fundação Vitória Amazônica (FVA), Carlos Durigan. "É desanimador. A gente não gostaria de ver, por ser ano de eleição, um processo legítimo ser parado por questões políticas", lamentou. "É o que é mais negativo é que já existiam recursos previstos para essa área, do programa Arpa [ Áreas Protegidas da Amazônia, coordenado pelo governo federal, mas com participação dos governos estaduais no conselho gestor ]."
Fonte: http://www.radiobras.gov.br, 16/03/06
Thaís Brianezi
Repórter da Agência Brasil
Manaus – O secretário executivo do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Adilson Vieira, acusou hoje (16) o governo do Amazonas de impedir a criação das reservas extrativistas do Arapixi e do Rio Unini, que devem beneficiar 460 famílias. "São duas demandas comunitárias, uma luta que já dura seis anos", contou. "Enquanto o Estado cria outras unidades de conservação a toque de caixa, ele impede que essa reivindicação legítima seja atendida. Há dois pesos e duas medidas".
A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável respondeu, por meio da assessoria de comunicação, que o governo estadual tem como objetivo a expansão do número de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável no Amazonas. A mudança de posição em relação à criação das duas unidades foi orientação da Procuradoria Geral do Estado, segundo a secretaria. A assessoria informou que uma nova consulta pública está sendo agendada para a região do Unini, em abril.
O processo de criação dessas duas reservas foi formalmente iniciado em 2002. As consultas públicas para sua criação aconteceram em novembro de 2004 (no rio Arapixi, no município de Boca do Acre) e em maio do ano passado (no rio Unini, em Barcelos). Nelas, os participantes decidiram pela criação de unidades de conservação federais, embora o território ocupado por eles estivesse matriculado em nome do governo estadual.
No último dia 23 de novembro, a Agência Brasil publicou uma matéria relatando que no dia anterior o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) havia fornecido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) uma carta de anuência para a criação das duas reservas federais. O documento seria encaminhado à Procuradoria Geral do Ibama, para que os decretos de criação das unidades fossem enviados à Casa Civil e assinados pelo presidente Lula. A expectativa do coordenador estadual do Conselho Nacional de Populações Tradicionais (CNPT), vinculado ao Ibama, Leonardo Pacheco, é que eles fossem publicados até janeiro deste ano.
"Mas por um precedimento do governo federal, que não está na lei do Snuc [ Sistema Nacional de Unidades de Conservação ], o processo foi enviado ao Ministério Público Federal, que decidiu consultar novamente o governo estadual", revelou Pacheco. "A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável então se opôs à criação das unidades, tentando transformar um fato político em jurídico".
"Eles alegam que em terras estaduais não se pode criar unidades de conservação federal. Mas isso já aconteceu no Pará e no Mato Grosso, por exemplo", justificou Pacheco. " A comunidade escolheu com qual interlocutor quer dialogar, sua vontade precisa ser respeitada". "Existe uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável estadual, chamada Cojubim, com cerca de um milhão de hectares, onde 80% da área é terra da União", argumentou Vieira.
Pacheco alertou que as 300 famílias que moram na região do Arapixi estão sofrendo com a grilagem de terras. "Elas estão proibidas de coletar castanha e seringa, estão vivendo só da agricultura", contou. "Há nove meses, quando ocuparam o escritório local do Ibama, a criação da reserva era a principal reivindicação".
No Unini, os representantes da comunidade se preparam para vir a Manaus conversar com o governador, segundo o secretário executivo da Fundação Vitória Amazônica (FVA), Carlos Durigan. "É desanimador. A gente não gostaria de ver, por ser ano de eleição, um processo legítimo ser parado por questões políticas", lamentou. "É o que é mais negativo é que já existiam recursos previstos para essa área, do programa Arpa [ Áreas Protegidas da Amazônia, coordenado pelo governo federal, mas com participação dos governos estaduais no conselho gestor ]."
Fonte: http://www.radiobras.gov.br, 16/03/06
segunda-feira, maio 08, 2006
Membro - Raïssa Guerra
Raïssa Guerra é formada em Biologia e Mestre pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável – CDS/UnB. Desde 1997 presta consultorias para o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, no Ministério do Meio Ambiente. Nesse programa já desenvolveu trabalhos de identificação e demarcação de terras indígenas; participou na elaboração de um Diagnóstico dos Modos de Ocupação da Amazônia Legal, realizou pesquisas sobre assentamentos de reforma agrária e reservas extrativistas, entre outros. Nos últimos três anos vem trabalhando com Monitoramento e Avaliação de Projetos no Projeto AMA (Apoio ao Monitoramento e Análise), com o objetivo de extrair lições dos projetos do Programa Piloto para subsidiar políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia.
Em sua dissertação de mestrado a pesquisadora fez uma análise sobre o PDS São Salvador (AC) e construiu indicadores para verificar a sua sustentabilidade. O principal resultado do trabalho foi a proposição de sugestões para a implantação de assentamentos de reforma agrária sustentáveis apropriados para a região amazônica. Entre outros temas de interesse, Raissa destaca: (i) Avaliação da sustentabilidade dos modelos extrativistas e o futuro desses modelos; (ii) Sustentabilidade econômica nas RESEX; e (iii) Pagamentos por serviços ambientais em RESEX
A partir de agosto de 2006 irá estudar os impactos da implementação dos PDSs na Amazônia Legal e meios de melhor operacionalizá-los por meio da bolsa Gordon and Betty Moore para profissionais visitantes, do Programa de Conservação e Desenvolvimento Trópical da Universidade da Flórida, sob a orientação da Doutora Mary Allegretti. Contato: raguerra@terra.com.br
Em sua dissertação de mestrado a pesquisadora fez uma análise sobre o PDS São Salvador (AC) e construiu indicadores para verificar a sua sustentabilidade. O principal resultado do trabalho foi a proposição de sugestões para a implantação de assentamentos de reforma agrária sustentáveis apropriados para a região amazônica. Entre outros temas de interesse, Raissa destaca: (i) Avaliação da sustentabilidade dos modelos extrativistas e o futuro desses modelos; (ii) Sustentabilidade econômica nas RESEX; e (iii) Pagamentos por serviços ambientais em RESEX
A partir de agosto de 2006 irá estudar os impactos da implementação dos PDSs na Amazônia Legal e meios de melhor operacionalizá-los por meio da bolsa Gordon and Betty Moore para profissionais visitantes, do Programa de Conservação e Desenvolvimento Trópical da Universidade da Flórida, sob a orientação da Doutora Mary Allegretti. Contato: raguerra@terra.com.br
segunda-feira, maio 01, 2006
DE VOLTA À RESTAURAÇÃO
Mariana Ciavatta Pantoja
Caros leitores, quero aqui narrar uma viagem que fiz, em janeiro passado ao coração da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Voltei a Restauração do rio Tejo, a aonde não ia há cinco anos. Foi lá que ocorreram as mais importantes manifestações e eventos que mobilizaram os seringueiros para reivindicar sua Reserva Extrativista no final dos anos de 1980. As principais lideranças de todo aquele movimento saíram do alto rio Tejo e afluentes. A Restauração era o principal seringal da região, e o Tejo o “rio da borracha”. Foi lá ainda que me iniciei como antropóloga, e onde realizei a pesquisa que deu origem a minha tese de doutorado, depois livro sobre a família de seu Milton Gomes da Conceição (Os Milton. Cem anos de história nos seringais. Recife, Massangana, 2004). Tudo isso não faz tanto tempo assim, cerca de 15 anos. Mas o tempo passa, como ficou claro para mim durante as duas semanas que passei no rio Tejo.
O projeto de pesquisa
Desde 1994, participo de um grupo que, liderado pelo prof. Mauro Almeida, realiza um trabalho de capacitação de moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá em atividades de pesquisa e monitoramento socioambiental. Desenvolvendo métodos e técnicas para uso local e estimulando o diálogo entre os saberes locais e os nossos, científicos, entre os anos de 1999 e 2002 a equipe de “monitores socioambientais” da Reserva chegou a ter 50 moradores. Três publicações conjuntas já resultaram desse esforço, uma delas um livro de autoria de Raimundo Farias Ramos, o Caboré, com escritos diversos deste verdadeiro intelectual da floresta (Histórias de um Matuto da Floresta, Campinas, UNICAMP, 2004). Três outras estão no prelo. Nos últimos três anos, sem financiamento, o “projeto de pesquisa” esteve ausente da área.
Com a proposta da Universidade da Floresta, recursos do PPBIO/MCT foram canalizados para consolidar uma unidade que deverá ficar conhecida como Instituto da Biodiversidade. Conseguimos, dentro desses recursos, encaixar ações do “projeto de pesquisa”, e em janeiro de 2006 viajamos à Reserva para mobilizar novamente os monitores e conversar sobre esta nova etapa de nosso trabalho conjunto.
Saímos do porto de Cruzeiro do Sul em duas canoas no dia 12 de janeiro: numa delas, íamos Marcus Athaydes, biólogo recém-contratado pela UFAC para o novo campus de Cruzeiro do Sul, eu (antropóloga e também recém-contratada pela UFAC) e Edir França, nosso piloto já de longa data. Na outra, dois dos principais monitores da Reserva, Caboré e Antonio Barbosa de Melo, o Roxo (irmão do legendário Chico Ginú), Augusto Postigo e Roberto Rezende, ambos da UNICAMP. Dia 14 estávamos em Marechal Thaumaturgo. Como está mudada a sede do município! Há agora prédios de até três andares, comércios relativamente grandes, ruas calçadas com tijolos, praças, iluminação elétrica durante todo o dia. Não vi, mas ouvi falar de motocicletas. Olhando da escola, um dos pontos mais altos da hoje uma pequena cidade, é possível ver novas ruas e casas que vão surgindo e expandindo a área urbana. Fiquei me perguntando sobre o que está sendo feito com o lixo e se há algum sistema de esgoto...
Chegamos em meio ao Novenário de São Sebastião. O movimento estava especialmente intenso, e resolvemos partir logo e dormir na Reserva Extrativista. À noite já estávamos banhados e acomodados na casa do inventivo agricultor Antonio Caxixa, na colocação Cinco Voltas, rio Tejo, ele e sua esposa Nalva monitores. A colocação do casal é um exemplo de agrobiodiversidade, não só nos roçados mas também pelas fruteiras que tem em volta da casa. No dia seguinte, seguimos viagem até o Maranguape Velho, na casa de Luciene, uma das monitoras mais antigas da Reserva, e finalmente no dia seguinte chegamos na casa de seu Milton, já na Restauração.
Em todo o percurso do rio Tejo chamou-me atenção duas coisas: as casas, agora de madeira serrada e cobertas de alumínio, e pintadas. Bonita visão a das casas coloridas nas margens do rio. São resultado do acesso dos moradores ao crédito de auxílio-moradia para os beneficiários da reforma agrária, do INCRA. Pena que a solução do telhado seja tão pouco adaptada às condições locais, pois as casas tendem a ficar quentes quando o sol fica mais forte, e a conversa se torna quase impossível quando chove forte sobre o alumínio. Alguns moradores fazem uma cozinha coberta de palha, para onde é possível fugir na hora mais quente do dia.
Mas também chamava atenção os desmatamentos nas margens do Tejo. À medida que íamos subindo o rio fui me dando conta que se tornara um padrão a presença de campos (pastos) em volta das casas, o que aponta para um indiscutível aumento da atividade pecuária na Reserva. Passamos por lugares que, tanto eu quanto Edir, não reconhecíamos tal a alteração da paisagem. Como dizem os moradores, as margens do rio estão sendo “descascadas”.
Na vila Restauração
No dia 16, realizamos uma reunião com um grupo de quase 20 monitores agora residentes na vila Restauração. Havia uma satisfação geral de estarmos todos juntos ali – afinal, diziam, o “projeto de pesquisa” está voltando! Durante toda a viagem, não foram poucos os moradores que expressaram sua satisfação em nos ver ali de volta. Ao projeto de pesquisa associavam um tempo em que havia mais informação, mesmo uma espécie de “fiscalização”, pois sempre se estava investigando e anotando o que estava acontecendo. A Reserva estava, diziam, mais respeitada interna e externamente. A esse período também associavam um tempo em que havia “lei” na Reserva.
Foi com muita alegria e emoção que encontrávamos ali os nossos amigos pesquisadores, pensadores e cientistas da floresta, com um jeito todo próprio de ser e expressar seus pensamentos e idéias. Uma equipe orgulhosa do seu trabalho de monitoramento, consciente do quanto fazer pesquisa os fizera crescer, “se desenvolver”, e da utilidade de seus esforços para um melhor gerenciamento da Reserva. Vários deles, por outro lado, diziam-se preocupados com o que estavam vendo: muito desmatamento e uma falta de consciência dos moradores sobre o que era, afinal, uma Reserva Extrativista.
Até pouco tempo atrás, boa parte dos monitores com quem nos encontramos na vila Restauração residia em colocações mais centrais e distantes. A crise da borracha, as novas alternativas agropecuárias, os investimentos que a Prefeitura vem realizando na vila, gerando empregos e também serviços públicos, e, como a gota d’água, a implantação pelo governo estadual do ensino de segundo grau na vila Restauração desencadearam a crescente migração das famílias para aquela localidade e suas proximidades.
A vila Restauração conta hoje com mais de 50 casas (totalizando, imagino, algo em torno de 250 moradores), duas escolas, quatro igrejas (uma católica e três evangélicas), uma padaria, um posto de saúde, uma hospedaria, uma serraria, um campo de futebol (já antigo), alguns botequins e dois pequenos comércios. Há uma rede elétrica que percorre a Vila, embora nem sempre haja combustível para o gerador. Televisões e antenas parabólicas são hoje comuns, vários moradores os têm.
A ocupação de “funcionário”, ou seja, assalariado pelos poderes públicos, garante hoje à diversas famílias uma fonte de renda monetária estável, condição a que todas almejam. Na vila Restauração há hoje professores, auxiliar de enfermeiro, garis, merendeiras, vigias, zeladeiras, entre outras funções remuneradas pelo poder público. Não é difícil, por outro lado, garantir um rendimento monetário temporário, como é o caso das diárias. Há serviços de terçado (para manter os pastos), carregar madeira (para as construções locais), operador de moto-serra e carpinteiro. E há também um mercado ainda em aquecimento para produtos agrícolas e criações domésticas.
As casas da vila concentram-se numa área que inclui a margem do rio (digamos uns 600 metros) avançando para o interior (cerca de 500 metros). Em volta desta área, rumo ao interior da floresta, expandem-se os roçados e capineiras (pastagens cultivadas). Olhando aquela concentração de casas num local que, desde minha última visita, não abrigava mais do que 20 casas, perguntava-me como estariam sendo definidos os direitos de propriedade.
Como cada morador estabelece agora qual a parte que lhe pertence, tanto na vila quanto na mata? Quais são os critérios de demarcação e os mecanismos de legitimação dos direitos? Considerando que todo aquele boom de casas estava certamente acompanhado de um aumento de roçados e de áreas para o gado, me perguntava sobre o impacto ambiental de tudo aquilo e sobre a necessidade de normas para regular aquela nova ocupação do espaço e uso dos recursos naturais.
Ouvimos, por exemplo, relatos sobre confrontos (“questões”) entre moradores veteranos da Restauração, donos de estradas de seringa, e novatos em busca de espaço e recursos para sua instalação no local, como madeira para suas casas e caça para seu alimento. Estradas invadidas para retirada de madeira, ou ameaçadas pela proximidade de roçados, estão entre algumas das novidades negativas. Direitos tradicionais dos seringueiros, amparados pelo Plano de Utilização e pelo cadastramento que fundamenta a Concessão Real de Uso da Reserva, estão sendo confrontados com novas atividades e usos do espaço e recursos. A pressão do aumento de moradores sobre a caça, e caçadas ilegais com cachorro, tem levado muitos moradores, em busca de formar um rancho doméstico “de vantagem”, a ir caçar em matas mais distantes (no Machadinho ou nas que confrontam com o rio Acuriá), a onde permanecem por alguns dias.
Pergunto: não seria necessário um Plano Diretor para a vila Restauração, associado a um Plano de Manejo mais geral, regulando seu crescimento e desenvolvimento? Hoje, na vila, as autoridades constituídas são o sub-prefeito e um vereador, ambos moradores antigos do lugar. Ao prefeito também recorrem os moradores quando querem garantir algum direito, como o de brocar um espaço para erguer sua casa. O poder público municipal parece ser a maior autoridade política hoje na vila Restauração, e as preocupações ambientais, que deveriam nortear o gerenciamento da área, estão ausentes.
O debate na Reserva, ou a Reserva em debate
Mas e o Plano de Utilização da Reserva – que fora criado pelos moradores e sancionado pelo IBAMA – alguém ainda se lembrava dele? Veteranos da criação da Reserva reclamavam que não. Com efeito, muitas das queixas e relatos que chegavam aos nossos ouvidos iam de encontro ao Plano, como a destruição de seringueiras, a extração de óleo de copaíba para venda (sem plano de manejo), caçadas com cachorro no interior da floresta e mesmo o uso de madeira da Reserva para construção de casas na sede do município. Mesmo sendo de um morador, reza o Plano de Utilização que a madeira retirada das matas da Reserva não pode sair de suas fronteiras.
Tudo isso apontava para duas coisas, conforme vários moradores nos explicaram: falta de fiscalização e de trabalho de base. Por um lado, diziam, o IBAMA é hoje uma ausência. Há já bastante tempo não se faz presente de forma mais efetiva na Reserva, e na vila em particular. Quando denúncias chegam a Cruzeiro do Sul, o chefe do CNPT sempre coloca mensagens na rádio para os desobedientes, mas o efeito disto é questionado. Enquanto estávamos lá, novas placas de identificação da Reserva estavam sendo colocadas em todo o seu perímetro. “Muito bonita” observava um morador, “bem pintadinha. Mas a pessoa que não respeita, vai respeitar uma flandres?!” – questionava. Os moradores com quem conversamos querem a presença fiscalizadora do IBAMA na área, querem que o Estado cumpra o seu papel como co-gestor da Reserva, o que, avaliam, não está acontecendo.
Por outro lado, há uma outra ausência que é sentida por muitos moradores da Restauração: a de seus representantes legais. A presença de diretores trazendo esclarecimentos e informações sobre a Reserva Extrativista e suas leis, realizando reuniões e ouvindo as demandas locais, organizando os moradores localmente, enfim, realizando o trabalho de uma associação de trabalhadores, é uma carência real e cujos prejuízos políticos e ambientais são bastante significativos.
Até bem pouco tempo, a ASAREAJ era a única associação atuando na Reserva. A reeleição de sua diretoria em 2005, mesmo que com pouca margem de votos, indica que um perfil de atuação associativa pouco empenhada em coibir práticas ilícitas tem, ao que parece, apoio de parte dos moradores. A ausência do IBAMA é, neste sentido, mais grave ainda. Hoje há novas associações na Reserva surgidas como oposição a ASAREAJ, e o sindicato está voltando aos poucos a se fazer novamente presente. Para muitos moradores esses últimos fatos são uma boa notícia.
Devo dizer ainda que o único artigo do Plano de Utilização que vi citado diversas vezes foi o que dá direito a cada família de utilizar 15 hectares de floresta para a instalação de terreiros, roçados, campos e capoeiras. Este número – 15 hectares – parece estar se transformando num fetiche para justificar, ou denunciar, as derrubadas. Tamanhos de campos são citados e sempre referidos a essa medida, se maior ou menor do que ela. Porém, na época de criação do Plano, este número foi estabelecido para garantir que não mais do que 5% da área das antigas colocações fossem utilizadas por atividades agropecuárias, e isso ao longo de um manejo cíclico. Ou seja, outra lógica estava operando, e não a de que cada família, independentemente de residir ou não numa colocação, teria direito a derrubar 15 hectares. Há uma leitura perversa da lei neste caso, ou a lei teria que ser revista. Mas nesta hipótese a discussão teria que ser sobre o que queremos, afinal, com as Reservas Extrativistas. Talvez seja a hora de retomar, mais de dez anos depois e num outro contexto, esta conversa.
Nesse contexto, é possível observar atitudes como a de seu Amarino Sales, um ex-morador da Reserva e ex-patrão que, auxiliado por um advogado (Ademir Barroso, OAB/AC 2.400), alega que o seringal Maranguape, aberto por seus antepassados, não foi legalmente desapropriado pelo IBAMA e, portanto, estaria passível de venda. É esta a intenção dele e seus familiares, que já estariam em conversas com um empresário local interessado na madeira da área. Por outro lado, outro processo significativo e em curso na Reserva é o surgimento de uma etnia indígena até então julgada desaparecida, os Kontanawa, e uma conseqüente reivindicação de direitos fundiários. Os Kontanawa, compostos pelos membros da família de seu Milton Gomes da Conceição, conforme eu mesma tive a oportunidade de documentar em meu livro citado no início deste Papo, estão em pleno movimento de ressurgimento identitário e de demanda por um território próprio, no interior da Reserva.
E a Reserva Extrativista? – novamente me pergunto. Por tudo o dito, na do Alto Juruá parece que é urgente a retomada da mobilização e informação dos moradores, realizada por dirigentes e lideranças efetivamente comprometidos com a proposta e futuro da Reserva, e não com interesses particulares ou político-partidários. Reuniões comunitárias por toda a Reserva, retomando o Plano de Utilização e a legislação ambiental, inventariando as novas situações e demandas locais, formando mesmo as bases para o futuro Plano de Manejo da área, são ações necessárias e possíveis. O apoio e presença do IBAMA são imprescindíveis. E também do “projeto de pesquisa”, seus pesquisadores e seus monitores, que há mais de 10 anos vêem sistematicamente registrando a trajetória da Reserva Extrativista do Alto Juruá – longa vida para ela!
Caros leitores, quero aqui narrar uma viagem que fiz, em janeiro passado ao coração da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Voltei a Restauração do rio Tejo, a aonde não ia há cinco anos. Foi lá que ocorreram as mais importantes manifestações e eventos que mobilizaram os seringueiros para reivindicar sua Reserva Extrativista no final dos anos de 1980. As principais lideranças de todo aquele movimento saíram do alto rio Tejo e afluentes. A Restauração era o principal seringal da região, e o Tejo o “rio da borracha”. Foi lá ainda que me iniciei como antropóloga, e onde realizei a pesquisa que deu origem a minha tese de doutorado, depois livro sobre a família de seu Milton Gomes da Conceição (Os Milton. Cem anos de história nos seringais. Recife, Massangana, 2004). Tudo isso não faz tanto tempo assim, cerca de 15 anos. Mas o tempo passa, como ficou claro para mim durante as duas semanas que passei no rio Tejo.
O projeto de pesquisa
Desde 1994, participo de um grupo que, liderado pelo prof. Mauro Almeida, realiza um trabalho de capacitação de moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá em atividades de pesquisa e monitoramento socioambiental. Desenvolvendo métodos e técnicas para uso local e estimulando o diálogo entre os saberes locais e os nossos, científicos, entre os anos de 1999 e 2002 a equipe de “monitores socioambientais” da Reserva chegou a ter 50 moradores. Três publicações conjuntas já resultaram desse esforço, uma delas um livro de autoria de Raimundo Farias Ramos, o Caboré, com escritos diversos deste verdadeiro intelectual da floresta (Histórias de um Matuto da Floresta, Campinas, UNICAMP, 2004). Três outras estão no prelo. Nos últimos três anos, sem financiamento, o “projeto de pesquisa” esteve ausente da área.
Com a proposta da Universidade da Floresta, recursos do PPBIO/MCT foram canalizados para consolidar uma unidade que deverá ficar conhecida como Instituto da Biodiversidade. Conseguimos, dentro desses recursos, encaixar ações do “projeto de pesquisa”, e em janeiro de 2006 viajamos à Reserva para mobilizar novamente os monitores e conversar sobre esta nova etapa de nosso trabalho conjunto.
Saímos do porto de Cruzeiro do Sul em duas canoas no dia 12 de janeiro: numa delas, íamos Marcus Athaydes, biólogo recém-contratado pela UFAC para o novo campus de Cruzeiro do Sul, eu (antropóloga e também recém-contratada pela UFAC) e Edir França, nosso piloto já de longa data. Na outra, dois dos principais monitores da Reserva, Caboré e Antonio Barbosa de Melo, o Roxo (irmão do legendário Chico Ginú), Augusto Postigo e Roberto Rezende, ambos da UNICAMP. Dia 14 estávamos em Marechal Thaumaturgo. Como está mudada a sede do município! Há agora prédios de até três andares, comércios relativamente grandes, ruas calçadas com tijolos, praças, iluminação elétrica durante todo o dia. Não vi, mas ouvi falar de motocicletas. Olhando da escola, um dos pontos mais altos da hoje uma pequena cidade, é possível ver novas ruas e casas que vão surgindo e expandindo a área urbana. Fiquei me perguntando sobre o que está sendo feito com o lixo e se há algum sistema de esgoto...
Chegamos em meio ao Novenário de São Sebastião. O movimento estava especialmente intenso, e resolvemos partir logo e dormir na Reserva Extrativista. À noite já estávamos banhados e acomodados na casa do inventivo agricultor Antonio Caxixa, na colocação Cinco Voltas, rio Tejo, ele e sua esposa Nalva monitores. A colocação do casal é um exemplo de agrobiodiversidade, não só nos roçados mas também pelas fruteiras que tem em volta da casa. No dia seguinte, seguimos viagem até o Maranguape Velho, na casa de Luciene, uma das monitoras mais antigas da Reserva, e finalmente no dia seguinte chegamos na casa de seu Milton, já na Restauração.
Em todo o percurso do rio Tejo chamou-me atenção duas coisas: as casas, agora de madeira serrada e cobertas de alumínio, e pintadas. Bonita visão a das casas coloridas nas margens do rio. São resultado do acesso dos moradores ao crédito de auxílio-moradia para os beneficiários da reforma agrária, do INCRA. Pena que a solução do telhado seja tão pouco adaptada às condições locais, pois as casas tendem a ficar quentes quando o sol fica mais forte, e a conversa se torna quase impossível quando chove forte sobre o alumínio. Alguns moradores fazem uma cozinha coberta de palha, para onde é possível fugir na hora mais quente do dia.
Mas também chamava atenção os desmatamentos nas margens do Tejo. À medida que íamos subindo o rio fui me dando conta que se tornara um padrão a presença de campos (pastos) em volta das casas, o que aponta para um indiscutível aumento da atividade pecuária na Reserva. Passamos por lugares que, tanto eu quanto Edir, não reconhecíamos tal a alteração da paisagem. Como dizem os moradores, as margens do rio estão sendo “descascadas”.
Na vila Restauração
No dia 16, realizamos uma reunião com um grupo de quase 20 monitores agora residentes na vila Restauração. Havia uma satisfação geral de estarmos todos juntos ali – afinal, diziam, o “projeto de pesquisa” está voltando! Durante toda a viagem, não foram poucos os moradores que expressaram sua satisfação em nos ver ali de volta. Ao projeto de pesquisa associavam um tempo em que havia mais informação, mesmo uma espécie de “fiscalização”, pois sempre se estava investigando e anotando o que estava acontecendo. A Reserva estava, diziam, mais respeitada interna e externamente. A esse período também associavam um tempo em que havia “lei” na Reserva.
Foi com muita alegria e emoção que encontrávamos ali os nossos amigos pesquisadores, pensadores e cientistas da floresta, com um jeito todo próprio de ser e expressar seus pensamentos e idéias. Uma equipe orgulhosa do seu trabalho de monitoramento, consciente do quanto fazer pesquisa os fizera crescer, “se desenvolver”, e da utilidade de seus esforços para um melhor gerenciamento da Reserva. Vários deles, por outro lado, diziam-se preocupados com o que estavam vendo: muito desmatamento e uma falta de consciência dos moradores sobre o que era, afinal, uma Reserva Extrativista.
Até pouco tempo atrás, boa parte dos monitores com quem nos encontramos na vila Restauração residia em colocações mais centrais e distantes. A crise da borracha, as novas alternativas agropecuárias, os investimentos que a Prefeitura vem realizando na vila, gerando empregos e também serviços públicos, e, como a gota d’água, a implantação pelo governo estadual do ensino de segundo grau na vila Restauração desencadearam a crescente migração das famílias para aquela localidade e suas proximidades.
A vila Restauração conta hoje com mais de 50 casas (totalizando, imagino, algo em torno de 250 moradores), duas escolas, quatro igrejas (uma católica e três evangélicas), uma padaria, um posto de saúde, uma hospedaria, uma serraria, um campo de futebol (já antigo), alguns botequins e dois pequenos comércios. Há uma rede elétrica que percorre a Vila, embora nem sempre haja combustível para o gerador. Televisões e antenas parabólicas são hoje comuns, vários moradores os têm.
A ocupação de “funcionário”, ou seja, assalariado pelos poderes públicos, garante hoje à diversas famílias uma fonte de renda monetária estável, condição a que todas almejam. Na vila Restauração há hoje professores, auxiliar de enfermeiro, garis, merendeiras, vigias, zeladeiras, entre outras funções remuneradas pelo poder público. Não é difícil, por outro lado, garantir um rendimento monetário temporário, como é o caso das diárias. Há serviços de terçado (para manter os pastos), carregar madeira (para as construções locais), operador de moto-serra e carpinteiro. E há também um mercado ainda em aquecimento para produtos agrícolas e criações domésticas.
As casas da vila concentram-se numa área que inclui a margem do rio (digamos uns 600 metros) avançando para o interior (cerca de 500 metros). Em volta desta área, rumo ao interior da floresta, expandem-se os roçados e capineiras (pastagens cultivadas). Olhando aquela concentração de casas num local que, desde minha última visita, não abrigava mais do que 20 casas, perguntava-me como estariam sendo definidos os direitos de propriedade.
Como cada morador estabelece agora qual a parte que lhe pertence, tanto na vila quanto na mata? Quais são os critérios de demarcação e os mecanismos de legitimação dos direitos? Considerando que todo aquele boom de casas estava certamente acompanhado de um aumento de roçados e de áreas para o gado, me perguntava sobre o impacto ambiental de tudo aquilo e sobre a necessidade de normas para regular aquela nova ocupação do espaço e uso dos recursos naturais.
Ouvimos, por exemplo, relatos sobre confrontos (“questões”) entre moradores veteranos da Restauração, donos de estradas de seringa, e novatos em busca de espaço e recursos para sua instalação no local, como madeira para suas casas e caça para seu alimento. Estradas invadidas para retirada de madeira, ou ameaçadas pela proximidade de roçados, estão entre algumas das novidades negativas. Direitos tradicionais dos seringueiros, amparados pelo Plano de Utilização e pelo cadastramento que fundamenta a Concessão Real de Uso da Reserva, estão sendo confrontados com novas atividades e usos do espaço e recursos. A pressão do aumento de moradores sobre a caça, e caçadas ilegais com cachorro, tem levado muitos moradores, em busca de formar um rancho doméstico “de vantagem”, a ir caçar em matas mais distantes (no Machadinho ou nas que confrontam com o rio Acuriá), a onde permanecem por alguns dias.
Pergunto: não seria necessário um Plano Diretor para a vila Restauração, associado a um Plano de Manejo mais geral, regulando seu crescimento e desenvolvimento? Hoje, na vila, as autoridades constituídas são o sub-prefeito e um vereador, ambos moradores antigos do lugar. Ao prefeito também recorrem os moradores quando querem garantir algum direito, como o de brocar um espaço para erguer sua casa. O poder público municipal parece ser a maior autoridade política hoje na vila Restauração, e as preocupações ambientais, que deveriam nortear o gerenciamento da área, estão ausentes.
O debate na Reserva, ou a Reserva em debate
Mas e o Plano de Utilização da Reserva – que fora criado pelos moradores e sancionado pelo IBAMA – alguém ainda se lembrava dele? Veteranos da criação da Reserva reclamavam que não. Com efeito, muitas das queixas e relatos que chegavam aos nossos ouvidos iam de encontro ao Plano, como a destruição de seringueiras, a extração de óleo de copaíba para venda (sem plano de manejo), caçadas com cachorro no interior da floresta e mesmo o uso de madeira da Reserva para construção de casas na sede do município. Mesmo sendo de um morador, reza o Plano de Utilização que a madeira retirada das matas da Reserva não pode sair de suas fronteiras.
Tudo isso apontava para duas coisas, conforme vários moradores nos explicaram: falta de fiscalização e de trabalho de base. Por um lado, diziam, o IBAMA é hoje uma ausência. Há já bastante tempo não se faz presente de forma mais efetiva na Reserva, e na vila em particular. Quando denúncias chegam a Cruzeiro do Sul, o chefe do CNPT sempre coloca mensagens na rádio para os desobedientes, mas o efeito disto é questionado. Enquanto estávamos lá, novas placas de identificação da Reserva estavam sendo colocadas em todo o seu perímetro. “Muito bonita” observava um morador, “bem pintadinha. Mas a pessoa que não respeita, vai respeitar uma flandres?!” – questionava. Os moradores com quem conversamos querem a presença fiscalizadora do IBAMA na área, querem que o Estado cumpra o seu papel como co-gestor da Reserva, o que, avaliam, não está acontecendo.
Por outro lado, há uma outra ausência que é sentida por muitos moradores da Restauração: a de seus representantes legais. A presença de diretores trazendo esclarecimentos e informações sobre a Reserva Extrativista e suas leis, realizando reuniões e ouvindo as demandas locais, organizando os moradores localmente, enfim, realizando o trabalho de uma associação de trabalhadores, é uma carência real e cujos prejuízos políticos e ambientais são bastante significativos.
Até bem pouco tempo, a ASAREAJ era a única associação atuando na Reserva. A reeleição de sua diretoria em 2005, mesmo que com pouca margem de votos, indica que um perfil de atuação associativa pouco empenhada em coibir práticas ilícitas tem, ao que parece, apoio de parte dos moradores. A ausência do IBAMA é, neste sentido, mais grave ainda. Hoje há novas associações na Reserva surgidas como oposição a ASAREAJ, e o sindicato está voltando aos poucos a se fazer novamente presente. Para muitos moradores esses últimos fatos são uma boa notícia.
Devo dizer ainda que o único artigo do Plano de Utilização que vi citado diversas vezes foi o que dá direito a cada família de utilizar 15 hectares de floresta para a instalação de terreiros, roçados, campos e capoeiras. Este número – 15 hectares – parece estar se transformando num fetiche para justificar, ou denunciar, as derrubadas. Tamanhos de campos são citados e sempre referidos a essa medida, se maior ou menor do que ela. Porém, na época de criação do Plano, este número foi estabelecido para garantir que não mais do que 5% da área das antigas colocações fossem utilizadas por atividades agropecuárias, e isso ao longo de um manejo cíclico. Ou seja, outra lógica estava operando, e não a de que cada família, independentemente de residir ou não numa colocação, teria direito a derrubar 15 hectares. Há uma leitura perversa da lei neste caso, ou a lei teria que ser revista. Mas nesta hipótese a discussão teria que ser sobre o que queremos, afinal, com as Reservas Extrativistas. Talvez seja a hora de retomar, mais de dez anos depois e num outro contexto, esta conversa.
Nesse contexto, é possível observar atitudes como a de seu Amarino Sales, um ex-morador da Reserva e ex-patrão que, auxiliado por um advogado (Ademir Barroso, OAB/AC 2.400), alega que o seringal Maranguape, aberto por seus antepassados, não foi legalmente desapropriado pelo IBAMA e, portanto, estaria passível de venda. É esta a intenção dele e seus familiares, que já estariam em conversas com um empresário local interessado na madeira da área. Por outro lado, outro processo significativo e em curso na Reserva é o surgimento de uma etnia indígena até então julgada desaparecida, os Kontanawa, e uma conseqüente reivindicação de direitos fundiários. Os Kontanawa, compostos pelos membros da família de seu Milton Gomes da Conceição, conforme eu mesma tive a oportunidade de documentar em meu livro citado no início deste Papo, estão em pleno movimento de ressurgimento identitário e de demanda por um território próprio, no interior da Reserva.
E a Reserva Extrativista? – novamente me pergunto. Por tudo o dito, na do Alto Juruá parece que é urgente a retomada da mobilização e informação dos moradores, realizada por dirigentes e lideranças efetivamente comprometidos com a proposta e futuro da Reserva, e não com interesses particulares ou político-partidários. Reuniões comunitárias por toda a Reserva, retomando o Plano de Utilização e a legislação ambiental, inventariando as novas situações e demandas locais, formando mesmo as bases para o futuro Plano de Manejo da área, são ações necessárias e possíveis. O apoio e presença do IBAMA são imprescindíveis. E também do “projeto de pesquisa”, seus pesquisadores e seus monitores, que há mais de 10 anos vêem sistematicamente registrando a trajetória da Reserva Extrativista do Alto Juruá – longa vida para ela!
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