Altino Machado - 08/10/08
Ibama promete expulsar ocupantes ilegais da Reserva Extrativista de quase 1 milhão de hectares, onde mais de 45 mil hectares de floresta já foram derrubados e transformados em pasto por ex-seringueiros.
Até março do próximo ano, caso ainda esteja ocupando o cargo de ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc poderá desembarcar no Acre do “governo da floresta”, terra de Chico Mendes e da ex-ministra Marina Silva, para fazer a pirotecnia habitual e ensinar aos ambientalistas acreanos como deve funcionar corretamente a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, de 976 mil hectares, nos municípios de Sena Madureira, Xapuri, Rio Branco, Brasiléia, Capixaba, Epaciolândia e Assis Brasil.
- Nós estamos realizando levantamento minucioso para identificar as situações legais, irregulares e ilegais. Quem estiver irregular, veremos de que maneira poderemos regularizar, mas com o compromisso do ocupante de fazer a recuperação do passivo ambiental. Já foram identificadas 200 ocupações ilegais e contra elas serão abertos procedimentos administrativos e penais. Quem está em situação ilegal será expulso até março, sem direito a indenização - afirma com exclusividade ao Blog da Amazônia Sebastião Santos da Silva, destacado há três meses pela gerência do Ibama no Acre para o cargo de gestor da Resex Chico Mendes.
A reserva extrativista foi criada para prestar o serviço de proteger os recursos naturais como meio de vida e durante algum tempo foi usada como símbolo da luta do movimento ambientalista liderado no Acre por Chico Mendes em defesa das florestas da Amazônia. Após 18 anos de criação, a reserva se transformou em cenário de ilegalidades estimuladas por seu próprio plano de uso.
O plano pretendia assegurar a auto-sustentabilidade mediante a regulamentação da utilização dos recursos naturais e dos comportamentos a serem seguidos pelos moradores. Nada disso aconteceu. Embora exista ocupação legal, mais de 45 mil hectares de floresta da reserva Chico Mendes já foram convertidos em pastagens para a criação de gado, de acordo com dados do monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
O último censo populacional, realizado há três anos, constatou a presença de 1,7 mil famílias dentro da reserva. Mas os dados do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Acre revelam uma população mais assustadora para os que acreditam nos ideais de Chico Mendes: a presença de 10 mil cabeças de gado na reserva. Existe até um ocupante que possui 700 cabeças e outro com mil hectares de pasto.
Além disso, após a criação da reserva, em março de 1990, o governo federal gastou milhões para desapropriar e indenizar alguns ocupantes que já naquele ano desenvolviam pecuária na área. Alguns deles receberam o dinheiro da indenização, mas permaneceram na reserva e continuaram cometendo crimes ambientais com a expansão de suas pastagens para criação de gado.
Recentemente, o ministro Carlos Minc recebeu a denúncia de existência de um haras instalado dentro da reserva Chico Mendes, iniciativa de uma empresária de Xapuri. O ministro exigiu uma ação enérgica da gerência regional do Ibama, mas foi dissuadido com o argumento de que não bastava enfrentar o caso isoladamente.
A situação de ilegalidade envolve até casos de pecuaristas que adquiriram colocações de seringueiros e transformaram-nas em fazendas. Por sua vez, alguns seringueiros viraram fazendeiros, enquanto outros optaram por converter a floresta em pastos apenas para arrendá-los a fazendeiros.
Tudo isso acontece basicamente ao longo da BR-317, também conhecida como Estrada do Pacífico, que liga o Acre ao Peru, onde o governo estadual não sofreu qualquer pressão das lideranças do movimento social para implantar um programa de mitigação dos impactos socioambienais.
Outro problema grave envolve, ainda, nas proximidades dos municípios de Xapuri, Brasiléia e Epitaciolândia, o fracionamento das colocações de seringais. As áreas foram ocupadas e transformadas em chácaras ou áreas de lazer por empresários, comerciantes e funcionários públicos.
“Pecuária de subsistência”
Todos esses desvios se sucederam com a complacência dos governos federal e estadual e das supostas lideranças do movimento social e ambientalista. O levantamento da situação começou em 2005, quando foi identificado com geoprocessamento, o quanto já havia de desmatamento em cada seringal da reserva.
O contingente de ilegais é formado basicamente por ocupantes que desmataram acima de 30 hectares e possuem um rebanho de gado considerado pelo Ibama como incompatível com a quantidade de pasto permitida na reserva.
Na verdade o grande erro começou mesmo quando foi criado o plano de uso da Resex Chico Mendes. Ele definiu que 10% de seus quase 1 milhão de hectares podem ser derrubados pelo moradores “para atividades complementares, tais como agricultura, criação de pequenos animais, piscicultura, pecuária, e agrossilvicultura”. O plano permite a criação de grandes animais até o limite máximo de 50% da área da colocação destinada para atividades complementares.
- Foi o Plano de Utilização que possibilitou a criação de gado dentro do limite de 15 hectares de pasto, mas sem estabelecer a quantidade máxima de cabeça. Tomando como base os dados oficiais de capacidade de suporte de áreas de pastagem do Estado, que é, no máximo, duas cabeças por hectares, concluimos que cada ocupante poderia ter no máximo 30 cabeças. Portanto, quem tem acima de 30 cabeças de gado e acima de 15 hectares de pasto vai entrar na lista de ocupantes ilegais para ser retirado - assinala Sebastião Silva.
Porém, após o plano de uso, foi instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Ele estabeleceu a proibição de criação de grandes animais. De acordo com o sistema, a reserva extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.
- Estamos diante de um dilema. Na tentativa de superá-lo, vamos argumentar junto ao Ministério do Meio Ambiente a possibilidade de legalizar a existência do que a gente passaria a chamar de “pecuária de subsistência”, pois o problema abrange todas as demais reservas extrativistas do país. Caso não seja possível, teremos que nos adequar à lei e proibir definitivamente a criação de gado na Resex Chico Mendes, permitindo apenas animais de serviço, isto é, boi capado - pondera o gestor da reserva.
Fonte: TERRA MAGAZINE/Blog da Amazonia
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