A vida de Herculano Silva na gaveta da ministra Dilma
[17/10/2007 17:58]
A demora na criação da Reserva Extrativista do Médio Xingu, no Pará, tem provocado o aumento do desmatamento na região e da violência contra as comunidades ribeirinhas, cuja principal liderança, Herculano Costa Silva, vem colecionando ameaças de morte feitas por fazendeiros e grileiros.
Enquanto o Governo Federal dá sinais contraditórios sobre a criação da Reserva Extrativista (Resex) do Médio Xingu, na Terra do Meio, no Pará – a peça que falta no mosaico de áreas protegidas desenhado pelo próprio governo na região -, a vida de uma das principais lideranças das comunidades ribeirinhas que habitam a área vem sendo ameaçada reiteradas vezes nas últimas semanas. Herculano Costa Silva, 40 anos, dois filhos, presidente da Associação dos Moradores do Médio Xingu, sente que o cerco da grilagem ao seu redor está se fechando. “Cheguei ontem da comunidade e lá meus companheiros me falaram que estão rondando os rios atrás de mim. Eu mesmo percebi gente de barco me seguindo pelos rios e também fui à roça”, disse ele nesta terça-feira, por telefone, desde Altamira, principal núcleo urbano da região. As ameaças, diz Herculano, partem de funcionários de empresas e fazendas que se afirmam donas das terras onde vivem as famílias ribeirinhas.
Herculano acredita que a criação da reserva extrativista pode acabar com a violência cometida por grileiros às comunidades da Terra do Meio.
Os sinais contraditórios do Governo Federal consistem em ações (ou na falta delas) desencontradas que se desenrolam por um lado em Brasília e pelo outro na Terra do Meio. Se na capital federal o decreto de criação da Resex do Médio Xingu está empacado na Casa Civil da Presidência da República desde 24 de maio deste ano, outros órgãos do governo vêm executando operações naquela parte da Amazônia em favor da retirada de ocupantes da área da futura reserva extrativista, aumentando, na região, a expectativa de que a reserva vai finalmente ser criada.
A última ação ocorreu entre os dias 17 e 21 de setembro, quando representantes do Ibama, Instituto Chico Mendes, Justiça Federal e Polícia Federal notificaram a empresa Amazônia Projetos Ecológicos, do grupo empresarial CR Almeida, a desocupar uma área de mais de um milhão de hectares, parte dela sobreposta aos limites da futura reserva. A operação retirou prepostos da empresa da área e identificou focos recentes de desmatamento no interior da floresta. “O desmatamento de áreas dentro da futura reserva é uma estratégia comum dos grileiros para tentar inviabilizar a criação da Unidade de Conservação”, diz Cristina Velásquez, assessora do Instituto Socioambiental (ISA) que trabalha na região.
A notificação e retirada de infra-estruturas da empresa da área em disputa aumentam a expectativa sobre a criação da Resex do Médio Xingu, e fazem crescer também a tensão e a violência contra as famílias ribeirinhas. Herculano conta que, na semana passada, a casa de outro membro da associação de moradores local, chamado “Seu Rodrigues”, foi incendiada. Diz ainda que pistoleiros armados com espingardas calibre. 22 estão impedindo os moradores ribeirinhos de pescar. A própria operação do Ibama e Polícia Federal, executada para cumprir mandado judicial contra a Amazônia Projetos Ecológicos, fez com que Herculano sofresse novas ameaças de morte. “Falaram até que a Polícia Federal era de mentira, que eu arranjei uniformes, armas, tudo”, diz.
As ameaças vêm sendo relatadas por Herculano sistematicamente ao Ibama e ao Ministério Público Federal (MPF) em Altamira que, por sua vez, retransmitem o alerta para Brasília. André Lima, que coordena as ações na Amazônia pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), confirma o recebimento das denúncias e diz que as encaminhou para a Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. Questionado pelo ISA sobre providências tomadas, o gabinete da secretaria nada respondeu.
O procurador federal Marco Antônio Delfino, do MPF, em Altamira, enviou nesta segunda-feira, 15 de outubro, ofício a seu superior, Antônio Fernando de Souza, procurador-geral da República, relatando as ameaças às comunidades e desmatamentos na Terra do Meio e pedindo que a Casa Civil forneça explicações sobre a demora na criação da reserva extrativista. “É preciso saber os motivos de tanta demora”, reclama Delfino. “Pois é um absurdo que o governo planeje um enorme mosaico de áreas protegidas para dar ordenamento fundiário na região e não crie a Resex do Médio Xingu, comprometendo todo o trabalho de combate ao desmatamento e grilagem de terras na região”, afirma.
Belo Monte e outras barragens
A criação da Resex do Médio Xingu, aguardada por entidades da sociedade civil e órgãos públicos que atuam na defesa das comunidades e na proteção da floresta na Terra do Meio, vem se revelando uma novela de enredo tortuoso que se arrasta desde o começo do ano. Sua criação chegou a ser anunciada pelo Ministério do Meio Ambiente em junho, mas o decreto estacionou na Casa Civil da Presidência da República e de lá não saiu mais.
Em setembro, Herculano foi à Brasília participar do II Encontro dos Povos da Floresta e participou de reunião com Johannes Eck, da Casa Civil, para pedir urgência na criação da reserva.
Mas afinal o que tem impedido a criação da Resex do Médio Xingu? De acordo com Johannes Eck, sub-chefe adjunto da Sub-chefia de análise e acompanhamento de Políticas governamentais da Casa Civil, a demora decorre de uma avaliação de vários órgãos de governo a respeito das conseqüências da criação da reserva. Ou seja, outros setores do governo podem ver na resex um obstáculo à execução de seus projetos. O assessor da ministra-chefe Dilma Roussef afirma, contudo, que a criação da Resex do Médio Xingu é “uma questão de semanas”. “A reserva vai sair, até porque nenhuma Unidade de Conservação proposta até hoje foi barrada. Mas as UCs têm que ser avaliadas em conjunto com outros órgãos de governo, e essa consulta ainda está em curso”, afirma ele.
Mas Johaness Eck deixa claro que existe sim uma situação diferente sobre a Resex do Médio Xingu. “Os órgãos precisam de mais tempo para avaliar as conseqüências da criação desta UC”. Perguntado se novos aproveitamentos hidrelétricos no rio Xingu, além do previsto no projeto da hidrelétrica de Belo Monte, estejam, sem trocadilhos, barrando a implementação total do mosaico de UCs na Terra do Meio, o funcionário da Casa Civil foi evasivo. “Essa questão das outras barragens é colocada apenas de forma geral. De público e notório, mesmo, só Belo Monte”.
Fora dos gabinetes, driblando pistoleiros
Longe demais da Capital Federal e dos desencontros entre gabinetes ministeriais, Herculano Costa Silva diz que tem circulado pelas ruas de Altamira agoniado. “Aqui a lei é ainda a bala, e não adianta eu me esconder, todo mundo sabe por onde eu ando.” Mas, para voltar de barco para casa, em uma viagem que leva quatro dias pelo rio Xingu, o líder comunitário tem adotado estratégias para fugir de emboscadas. “Evito passar pelo canal mais largo do rio, entro pela terra dos índios Araweté, dou voltas em igarapés e rios menores, viajo à noite”. Mas Herculano sabe que, por mais que tome precauções, está exposto. “É fácil alguém acabar comigo, eu fico na roça trabalhando sozinho. Ainda assim me sinto mais seguro na comunidade do que em Altamira”.
Ameaças de morte não são exatamente novidades na vida do caboclo que há muitos anos resiste em abandonar as terras onde nasceu e seus parentes estão enterrados. Em fevereiro de 2005 - mês em que a freira Dorothy Stang foi assassinada a mando de fazendeiros em Anapu, outra cidade da mesma região da Amazônia paraense -, Herculano chegou a ser expulso de sua casa por dezoito pistoleiros contratados por uma madeireira. No episódio, 67 famílias ribeirinhas tiveram as casas incendiadas. Após tentar viver na periferia de Altamira, Herculano voltou para sua terra. “Não vou dizer que não tenho medo, mas estou preparado para morrer na vontade de Deus”.
As ameaças assustam, mas não impedem Herculano de trabalhar - “até porque não tem outro jeito” - para sustentar a família e garantir a segurança da sua comunidade, onde vivem cerca de 700 pessoas. Segurança essa que, para ele, só vai ser definitiva quando o Governo Federal assinar o decreto de criação da Resex do Médio Xingu e tomar providências para tirar da área quem não tem o direito de nela permanecer. “Falam por aí que se matarem o Herculano a resex não sai, que minha morte é a vitória da grilagem. Eu acredito no contrário. Que a criação da resex vai representar o fim de tanta violência e a garantia de nossos direitos, depois de tanto luta”.
Corredor para a biodiversidade
Com 303 mil hectares de área total, a Resex do Médio Xingu é uma faixa de terra que ocupa 100 quilômetros na margem esquerda de quem desce o Xingu em direção a Altamira, e é considerada estratégica para consolidar o mosaico de áreas protegidas projetado para a região, que inclui Terras Indígenas e Unidades de Conservação estaduais e federais (veja mapa).
O mosaico é parte de um conjunto de Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs) contíguas ao longo da Bacia Hidrográfica do rio Xingu, que soma um total de 28 milhões de hectares de floresta protegidos - o equivalente ao território do Equador - e abriga uma população de mais de 12 mil pessoas, entre não-indígenas e 25 etnias indígenas. Esse conjunto de áreas protegidas representa um dos principais corredores para a conservação da biodiversidade naquela parte da Amazônia.
O mosaico da Terra do Meio, por sua vez, tem aproximadamente 8 milhões de hectares e é formado por nove áreas protegidas: A Estação Ecológica Terra do Meio, o Parque Nacional da Serra do Pardo, a Área de Preservação Ambiental Triunfo do Xingu, a Floresta Estadual do Iriri, a Reserva Extrativista do Iriri, a Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio, a TI Xipaya e a TI Kuruaya, além da Reserva Extrativista do Médio Xingu, ainda não criada.
Fonte: Instituto Socioambiental
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