terça-feira, maio 16, 2006

O Desafio das RESEXs da Amazônia

Ecio Rodrigues(*)
Tudo começou em Xapuri, uma cidade em que a história política e a econômica se confundem com a dos ciclos dos produtos florestais. Tendo sua conquista e ocupação ancorada na produção de borracha, o município passou por um variado processo de transformação no decorrer do século passado. Depois de pertencer aos bolivianos e promover uma revolução armada para serem considerados brasileiros, os xapurienses orgulham-se de sua história e de sua mais importante conquista contemporânea: a manutenção da floresta. Após a resistência aos desmatamentos, que tiveram seu apogeu no final da década de 1980, ocorreu uma intensa discussão acerca da criação e regulamentação de espaços territoriais destinados à atividade do extrativismo.

Foi nessa ocasião, sob a liderança expressiva do saudoso Chico Mendes, que surgiram instituições fundamentais para a conservação da Amazônia, tais como o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e a Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (Caex). Também foi nessa época que se conseguiu formular um conceito de Unidade de Conservação, cuja categoria de manejo viria a ser consagrada na lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), como de uso sustentável, isto é: destinada a compatibilizar a atividade produtiva, baseada no modo extrativista de produção, com a manutenção da cobertura florestal, numa descrição prática e atual, de mais relevante grau e significado, do denominado conservacionismo originado em meados do século dezenove.

As Reservas Extrativistas passaram, rapidamente, à condição de ícone de um movimento ambiental rejuvenescido pelos ideais do recente conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em gestação no período preparatório para a Rio-92. Durante a década de 1990, intensificaram-se os esforços da sociedade civil e de instituições públicas no sentido de garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas, o que foi conseguido de forma exemplar. Mas, o desafio da sustentabilidade, que conciliaria o extrativismo com a manutenção da floresta, foi colocado em risco com a decadência completa do mercado gomífero.

Apesar dos subsídios federais e estaduais, a produção nativa de borracha não encontra uma saída, em curto prazo, que englobe todas as unidades de produção envolvidas no extrativismo. A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, cuja concepção e desenvolvimento datam desse período (década de 1990), destinava-se a solucionar esse entrave que levaria os seringueiros, inexoravelmente, à ampliação das áreas destinadas à agropecuária, estando eles vivendo ou não em Reservas Extrativistas. Mas o uso múltiplo da floresta, contemplando um leque variado de produtos e serviços que o ecossistema florestal pode oferecer, explorados segundo as técnicas de manejo florestal, não poderia abrir mão de seu produto de maior liquidez na atualidade: a madeira.

Vencer os preconceitos e desinformação acerca da exploração comunitária e sustentável da madeira foi uma batalha que demorou mais de dez anos. No início de 2000, os produtores extrativistas estavam prontos para se tornarem manejadores florestais. Prepararam, com apoio técnico do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) uma área do Projeto de Assentamento Agroextrativista do Cachoeira (PAE gerido pelo Incra) para manejo comunitário da madeira. Em 2002, essa área foi a primeira de manejo comunitário na Amazônia a ser certificada com o selo verde pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (FSC), demonstrando e comprovando a sustentabilidade do manejo comunitário da madeira.

Paradoxalmente, enquanto os três primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas criados no Acre e na Amazônia (Cachoeira, Porto Dias e o São Luis do Remanso) conseguiam se estruturar e avançar no estabelecimento de unidades de manejo comunitário de madeira, as Reservas Extrativistas, por sua vez, patinavam nas indefinições acerca do amparo legal para a produção de madeira em unidades de conservação.

Durante um bom tempo, e até hoje em dia, o tabu da impossibilidade legal do manejo nas Reservas Extrativistas é um enorme entrave. Se antes era somente a madeira atualmente adiciona-se aí a fauna. Como é difícil levar adiante experiências importantes de manejo de fauna, como a realizada na Reserva Extrativista do Cazumbá em Sena Madureira, devido a entraves criados na própria esfera ambiental!

Seria bom que as experiências desenvolvidas nos Projetos de Assentamento, com a participação ou à revelia do Incra, servissem de inspiração para os envolvidos com as Reservas Extrativistas. Afinal, a opção pela inserção dessas unidades de produção extrativista no sistema de unidades de conservação foi realizada na condição de obterem melhor guarida institucional que no âmbito da reforma agrária, o que, efetivamente, parece que não aconteceu.

Geralmente, os gestores da esfera ambiental pública, costumam afirmar que tudo é possível nos Projetos de Assentamentos Extrativistas porque ali não existe a preocupação com a manutenção da floresta. Triste é a constatação de um duplo equívoco. Essas experiências são o melhor exemplo de uma enorme preocupação com a manutenção da floresta, uma vez que possuem grau superior de sustentabilidade ambiental. De outra banda, a não implantação dessas experiências nas Reservas Extrativistas, em hipótese alguma tem garantido a não ampliação ou minimizado os efeitos da agropecuária.

Poder levar a experiência inovadora e de sucesso do manejo florestal de uso múltiplo para o interior da Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores unidades de conservação da Amazônia, com 970 mil hectares, inauguraria um novo patamar produtivo comunitário, de maneira sustentável e, talvez o mais importante, de maneira exemplar para a Amazônia.

(*) Engenheiro Florestal, Mestre em Economia e Política Florestal pela UFPR e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela UnB.
Fonte: http://www.kaxi.com.br/materia.php?id=37, 11/05/06

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